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o principio de uma vida nova

Lentamente levantei o tabuleiro e arrumei o livro, já não me apetecia ler.

A viagem ainda iria durar mais umas cinco horas e o melhor seria mesmo dormir.

Enquanto tentava ignorar o ruido ambiente dos motores a jacto e o burburinho das pessoas, fechei os olhos.

Terei feito a escolha certa?

Deixar para trás tudo o que construi durante metade da minha vida, tudo em troca de um futuro e carreira incertas.

Mountain View, California, que nome mais estranho para o meu destino.

A proposta foi mais forte, larguei mesmo tudo pela carreira, familia e amigos incluidos.

Só de pensar nas infinitas possibilidades que estavam agora ao meu alcance valeu tudo.

Poucas horas tinham passado e já sentia saudade do meu pais.

Os sentimentos são uma coisa tramada, quanto mais dizemos que não os temos, mais os sentimos.

Anima-te rapaz, pensei eu…

E com este pensamento tentei dormir.

Muito ao longe ouvi algo que pareceu ser o aviso da aproximação do destino.

Esforcei-me por acordar, já que tinha sido esta a primeira vez que tinha conseguido dormir num voo transatlantico.

Arrumei as coisas na mochila e preparei-me para a chegada.

Planeei mentalmente os passos seguintes, recolher a parca bagagem, levantar a “banheira” no rent-a-car e iniciar o caminho rumo ao novo local de trabalho.

Era domingo, mas segundo sei, esta lá sempre alguem para receber os novos ‘inquilinos’.

Enquanto esperava pela bagagem, mudei de ideias, decidi ir ver primeiro ver o mar, já que nunca vi o Pacifico.

Deve ser diferente do atlantico, este deve ter a agua mais molhada…

Esta gente é mesmo estranha, uns doidos pela comida, outros pela forma, mas no geral estranhos mesmo.

Provavelmente dirão o mesmo da terra de onde venho.

Sempre é verdade a tal historia da cultura sobre rodas.

Estou agora a pé junto ao mar e a grande maioria dos carros tem lixo nos bancos de trás.

E o mar afinal é parecido, azul esverdeado, tal como o nosso, a praia é limpa e asseada, tal como a nossa seria se fosse limpa todos os dias.

E o ar, muito identico tambem acima de tudo fresco e agradável.

Voltei á estrada.

Segui as instruções que o gps me ia dando e no meio da confusao geral, lá fui andando.

Cheguei ao complexo e afinal isto é mesmo grande.

Abri a porta do apartamento, ‘think big’ pensei eu, mas nada me preparou para isto, tanto espaco só para mim!

E a vista que eu tinha!

Só por isto a viagem já valeu a pena.

Atirei a tralha para um canto e liguei o televisor.

Publicidade, toneladas dela, em quase todos os canais e logicamente, desliguei o aparelho… Agarrei no mp3 e ouvi qualquer coisa, sempre e melhor que anúncios.

Amanhã o dia vai ser longo, o descanso vai ter prioridade.

Fico a saber qual o tamanho de um cubiculo e fico contente por saber que os nativos são enormes, mais espaco fica para mim.

Primeira reunião de grupo, sou apresentado ao resto da equipa.

Depois de uma discussão sobre os projectos em curso e da respectiva distribuição de tarefas, voltamos para o open-space.

Pareceu-me que a equipa me aceitou bem e alguns até mostram algum interesse em ajudar na integração.

O passeio até ao apartamento faz-se a pé e num instante, isto de viver e trabalhar no mesmo local é bastante agradavel.

A semana passou num instante e no sábado fui a uma aula de bodyboard, que um colega ia dar.

Afinal a água e mesmo molhada, tal como no atlântico.

E estranho ouvir tanta indicação em inglês e passado um pouco já fazemos confusão com o esquerdo e o direito.

Mas a aula correu bem.

Fomos almoçar a um restaurante mexicano, que é da praxe para os novos colegas.

Comecaram logo com a historia do picante mas saiu-lhes o tiro pela culatra, pois assim que provei pedi mais picante.

Como é logico, um dos engracadinhos pensou que eu estava no gozo e provou do meu prato.

É giro ver um nativo a mudar de cor…

Dispensei a noitada que me foi proposta e fui descansar.

A televisão aqui e mesmo um horror, intervalos a cada dez minutos, cinco para programas com mais audiencia.

Novo projecto, detesto java, mas só se pode usar isto…

No geral é sempre bom avancar para projectos novos, desde que haja incentivos decentes, o que não acontecia no passado.

É este o lado positivo das grandes empresas, há sempre lugar para a inovação.

Raramente há estagnação, mesmo nas empresas mais antigas. Essas há muito que aprenderam que o estagnar é a morte anunciada.

Mesmo que não haja lucro à vista, o que importa é investir na inovação.

Os primeiros três meses passaram num apice e subitamente tive um ataque forte de saudade. ?

É o que acontece quando damos um passo maior do que a nossa perna.

Claro que a vida não é só isto, embora seja uma das partes mais importantes.

Liguei à família, que mais podia fazer? Como tanta coisa mudou em tão pouco tempo!

E fica curioso o facto de quão pouco do que pensavamos que nos iria afectar se torna em bastante num instante.

Mas rapidamente voltei ao ritmo de trabalho.

Apenas para receber um duro golpe, a minha participação no projecto tinha chegado ao fim. As altas patentes assim o decidiram.

Aparentemente, todo o projecto estava a passar um fase negra, eu já sabia que outras áreas tinham também tido alguns sub-projectos cancelados, mas à boa maneira Portuguesa, sempre pensei que ‘isso só acontece aos outros’…

Triste e desiludido, voltei ao apartamento.

O sono tardava em chegar, a dor, o sacrifício, o desespero e tantas outras coisas impediam-me de conseguir desligar.

Mas por fim o sono chegou, adormeço com a incerteza, o que será que o dia seguinte me reserva?

(C) 2009 Luis Correia