a incerteza
acordei de repente, cheio de frio.
não me lembrava de nada, nem mesmo o meu nome.
estava deitado na terra húmida, algures num campo deserto.
era noite cerrada, o vento soprava forte, como se chamasse a chuva.
esta chegou, fraca no inicio, mas ficando cada vez mais forte.
de repente, o instinto pela sobrevivencia foi mais forte.
aos tropeções comecei a andar, depois a correr, sem rumo, sem direcção, apenas com o proposito de me abrigar.
comecou a trovejar, bem forte.
a recordacao dos ensinamentos da infancia lembraram-me de fazer as contas entre o relampago e o trovão.
era claro, a tempestade aproximava-se rapidamente.
a chuva fria clareou o raciocinio, comecei a correr para a uma estrutura que via ao longe, mesmo no limiar do que era possível ver através da chuva, que ficava cada vez mais forte.
a estrutura estava cada vez mais proxima, já tinha forma, um palheiro sem portas.
melhor que nada, pensei eu.
exausto, atirei-me para cima da palha.
má ideia, estava ensopada da chuva.
levantei-me a custo como se pesasse uma tonelada.
retirei a palha molhada para o lado, ate que finalmente consegui sentir-me seco.
adormeci.
…
um cao ladrava, alguem gritava, sons de badalos, foi assim que fui arrancado de um sono profundo.
tudo me doía, espirrei.
alguem ouviu o meu espirro e aproximou-se.
ouvi um som metalico característico, uma arma a ser armada.
senti um enorme calafrio, seria eu um fugitivo, ou estava apenas a invadir propriedade privada?
tal como um suspeito faz, ergui-me com as maos à vista.
o homem apareceu com uma caçadeira apontada, disse algo que eu não percebi de imediato, falava talvez num dialecto estranho, interior, rural.
perguntava talvez o que eu fazia ali.
tentei falar, mas nem a minha propria voz eu reconhecia.
balbuciei devagar que não sabia como tinha ido até ali.
o homem não quis saber pormenores, obrigou-me a entrar na caixa do tractor, para onde também seguiu o cão.
ali fiquei por tempo indeterminado, assustado com o rosnar continuo do cão de guarda, que mesmo sedo pequeno metia respeito.
aproveitei aquele lugar seco e abrigado e contra todas as espectativas, voltei a adormecer.
nem me apercebi que o tractor tinha iniciado a marcha e que me estava a levar para longe do campo.
fui acordado com uma pancada rude nas pernas, dada pelo rijo cajado do aparente pastor/agricultor.
a custo saí da caixa, olhei em redor, estava numa quinta, de aspecto rudimentar.
alguns trabalhadores olharam para mim com desprezo, outros simplesmente riam-se.
que mal teria eu feito? nem sequer me lembrava do meu nome, do que fazia na vida, como ali tinha chegado, quem eram eles para me julgar?
…
deram-me de comer, uma papa fria e sem sabor.
continuava a ouvir risos e gargalhadas ao longe, continuava sem saber porquê.
a incerteza começava a instalar-se.
seria eu um fugitivo?
estaria com amnésia?
bolas!
subitamente tudo se tornou num grande turbilhão, como se o mundo estivesse a ir pelo cano abaixo, perdi a consciencia…
acordei num chão frio de madeira, tinha o braço encharcado, no chão ao meu lado estava uma garrafa de plástico deitada, meia de água. tudo me doía…
foi um pesadelo, caí da cama…
(C) 2008 Luis Correia