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tubo de escape

já passava das onze da manhã quando decidi desviar da estrada principal.

seguir uma placa que indica um monumento ou ruína é por vezes sinal de locais com muita paz e sossego, nomeadamente quando estamos a falar de sítios perdidos no mapa.

e lá fui, seguindo a estrada estreita, à qual o meu GPS nem se atreveu a dar qualquer classificação, do tipo EM ou mesmo CM. não, desistiu logo e disse lacóniamente “caminho desconhecido”.

passaram-se alguns minutos e quilómetros, a beleza do espaço circundante disse-me que era obrigatório a abrir a janela e deixar que o ar realmente puro me invadisse o espaço interior. não é que viesse esterilizado do meu ponto de partida, mas estava pelo menos pressurizado.

abri as janelas.

fiquei imediatamente embriagado com o excesso de oxigénio e pólen, juntamente com uma panóplia de cheiros que me enebriaram os sentidos, parei o carro.

cambaleando, decidi sair por momentos, para ver se conseguia que todo o meu ser recuperasse da droga grátis que a Natureza tem para nos oferecer, de borla.

quando voltei a abrir os olhos senti uma humidade no pescoço e uma certa tontura, tinha caido na berma para cima de um tufo de ervas.

raios, estou farto de perder a consciencia cada vez que vou para o campo e respiro ar puro.

será que eu conseguia mesmo viver aqui? com tanta qualidade de ar puro? acho que não, no fundo, eu sempre soube que eu só era um tubo de escape, como tantos outros que morrem assim que os níveis de oxigénio se aproximam dos 20%, valor mais ou menos normal.

lá me levantei, tirando todo o lixo que se colou a mim, e decidi que iria ver até onde é que aquele caminho me levava.

mais alguns minutos a conduzir, chego ao destino, um parque de estacionamento em terra batida, com um simples contentor de lixo e umas placas informativas. mais abaixo fica o aldeamento, dizem que da Idade do Bronze, e la vou a desçer o caminho íngreme.

fico parado em frente a um monte de pedras, que dizem ser a porta de entrada para o espaço fortificado.

entro.

vagueio pelo espaço, com uma certa sensação de ter sido transportado no espaço e no tempo para uma daquelas séries que tenta mostrar como era a vida em tempos idos. sente-se uma presença de algo no ar, tal cemitério em dia de “zombie’s day out”.

dou comigo a tentar imaginar como seria a vida aqui, milénios atrás, como seriam os cheiros, certamente nauseabundos, como seriam as cores, talvez não tão variadas como num qualquer mercado de vila.

subo a um dos muros e sento-me.

deixo o meu olhar vagear pela paisagem que vai despindo os pormenores à passagem dos meus olhos, descubro várias construções igualmente em ruínas em colinas próximas, um rio mais lá ao fundo, vários caminhos de cabras e árvores, muitas árvores.

tiro o casaco de malha e enrolo-o a fazer de almofada e encosto-me, fechando os olhos, como se entrar em meditação fosse, suavemente aquecido pelo sol, que, ao mostrar-se e esconder-se pelas núvens me foi embalando e eventualmente acabou por me adormecer.

acordo com frio, o sol estava a por-se.

lembro-me de repente que estive deitado em cima de um muro e que qualquer movimento súbito pode fazer com que eu chegue muito rapidamente ao fundo da ribanceira.

subo a custo o caminho que me leva de volta à civilização, ao parque de estacionamento, ao meu carro e à estrada que me leva de volta.

voltarei certamente, um dia destes

(C) 2013 Luis Correia